O bom design deve ser para sempre (1)
Quando assistimos filmes sci-fi, como o
recentemente lançado Interestelar, onde os robôs Tars e Case expressam, além da
inteligência artificial, sentimentos sutis; poderíamos extrapolar e perguntar: “o
que todos os objetos que nos cercam diriam, caso pudessem falar?”
Pois bem, na minha fantasia afetiva, os
objetos refletem o amor que lhes dedicamos. É como se existisse uma
transferência psicanalítica à la
Freud. Projetamos nossos desejos, anseios, necessidades e amor nesses objetos,
que por sua vez nos trazem em retorno, entre outras coisas, seu calor e
companhia.
Muitos, na defensiva, dirão – que pensamento
irracional! Objetos não falam! Outros, por sua vez, irão concordar de imediato,
pois são aqueles que abraçam árvores, dormem com ursinhos de pelúcia ou mesmo,
numa forma mais sofisticada de adoração, são colecionadores.
Encontramos, no nosso dia a dia, estes dois
tipos de atitude em diferentes intensidades.
Outra categoria são as pessoas que são classificadas
como consumistas compulsivos (oneomaníacos). Necessitam estar up to date com o que chamam de novo.
Para tanto, estão sempre à caça de produtos que, na maioria das vezes,
descartam por os terem comprado num impulso, para depois se arrependerem ou se
enjoarem.
Daqui damos um salto para a questão da
publicidade e para as possíveis razões para o consumo. De um lado, encontramos
objetos produzidos em grande série que, como todos sabemos, têm sua vida útil
encurtada (obsolescência programada) segundo a política industrial vigente, durando
“exatamente” até o dia anterior da expiração de sua garantia. Eles seguem a
moda sendo, portanto, efêmeros na maioria. De outro lado, temos os objetos de pequena
série, ou mesmo modelos ou peças únicas, com qualidade infinitamente superior e
durabilidade idem. Em ambos os casos, no entanto, existe o descarte.
E como age a publicidade? De que forma ela
entra neste cenário?
A publicidade, historicamente falando, teve
seu início com artistas e designers, por suas habilidades em ilustração. Estes
foram chamados pelas indústrias com a função de divulgar os produtos e promover
sua venda, através de seus desenhos perfeitos. A partir daí houveram distorções
e a publicidade deixou de fornecer informação isenta e passou a ser persuasiva e
tendenciosa, como bem retratam os livros “Subliminal Seduction e “A era da
Manipulação”(2),
entre tantos outros que tratam do assunto. Como exemplos podemos citar: cremes
femininos que promovem a eliminação total das rugas em dois tempos, remédios que
emagrecem em uma semana, produtos oferecidos pela técnica do R$ 0,99, produtos como comidas,
bebidas, cigarros, jóias e roupas, apresentados por artistas ou pessoas
influentes, propagandas de yogurt que condicionam o bom funcionamento do
intestino ao aumento da vontade da transa sexual nas mulheres, desodorantes que duram
48 ou mais horas. Batons que inflam os lábios, lápis que esculpem as
sombrancelhas, sombras de olhos que imitam o couro, coleções de roupas
"criadas" pelas starlets Kardashians, perfumes que fazem você
ser lembrado para sempre, cremes que trazem de volta sua pele de bebê, e assim
por diante.
Independentemente desta confiança inicial, que acaba por eleger certos produtos como superiores, existe uma certa relutância do consumidor em relação à manutenção, por muitos anos, de certos objetos, mesmo que estes possam estar funcionantes, satisfazendo plenamente nossas necessidades utilitárias. É o preço e o jogo de uma sociedade frágil, que se move, parece transformar-se, mas pouco em sua essência muda. Álibi do progresso tecnológico e da moda, parte do custo que temos e, muitas vezes queremos pagar.
E por quê?
O mercado para se mover oferece sempre o “novo”, mesmo que não seja tão novo assim; uma estratégia para vender sempre mais em resposta ao nosso desejo que parece insaciável (vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais…). Este mercado tem uma pretensa produtividade que não leva a qualquer modificação estrutural. Assim, o consumidor defrontado com o “progresso” e a moda, sucumbe ao consumo, tendendo a descartar o objeto anterior (velho). Se observarmos a publicidade de carros, a palavra “novo” sempre aparece.
Os consumistas, impelidos por uma ilusão
fundamental, creem que tudo o que possuem não servem para torná-los válidos
socialmente. É uma ideologia que descarta nosso dons naturais, para fazer-nos
comprar e ostentar produtos e marcas que nos servem de substitutos.
O DESCARTE
Atualmente, pensa-se em sustentabilidade, em produtos
criados para não comprometer o futuro do planeta - mais duradouros, menos
descartáveis. Tarefa árdua para o governo, industriais, empresários e designers
industriais envolvidos com a consciência sobre o planeta (mas este assunto fica
para outro artigo).
Dezenas de bens como estes são descartados,
diariamente, em todas as partes do mundo, mesmo em lugares mais impensáveis
como, por exemplo, no deserto. Será que estamos considerando os 5Rs (Repensar, Reduzir, Recusar,
Reutilizar e Reciclar) nos
nossos hábitos de consumo?
O design tem tentado responder a
perguntas como esta, ainda sem respostas plausíveis. Faltaria uma política
governamental ou aprendizado social? Ou mesmo a formação de comunidades
colaborativas e novas formas de associações entre produtores e usuários? Carlo
Vezzoli e Ezio Manzini (3),
oferecem uma visão muito abrangente sobre este tema.
OUTRAS FORMAS INCONFESSAS DE DESCARTE….”passe
o presente adiante”
Os chamados regifters, isto é, aqueles que têm o hábito compulsivo de quase
nunca gostarem dos presentes que recebem, realizam uma forma inconfessa ou
disfarçada de descarte, passando seus mimos adiante para outra pessoa. Ao invés
de permanecerem com algo que não é exatamente o que desejam, se sentem
obrigados a se livrarem dele. O problema principal é que muitas vezes a outra
pessoa acaba descobrindo, por uma razão ou outra. Poucos passam ilesos.
A NOSTALGIA CULTURAL
Revistas dedicadas à arquitetura de
interiores - Architectural Digest, Interior Design e outras, revelam certas
tendências que vem se destacando, principalmente, no mercado europeu, no
arranjo doméstico – nos móveis, objetos, jóias, tapeçaria etc. Uma delas é a
preservação de peças de mobiliário modernista assinado (ex. Carlo Molino,
Marcel Breuer, Le Corbisier, Mies van der Rohe) (4) no
seu estado de envelhecimento natural, (pintura desgastada, madeira machucada, metal
descascado, couros, tecidos e tapeçarias poídas) e mantidas, igualmente, sem
restauro, juntamente ao lado de outras peças contemporâneas novas. Outra ocorre
nas peças de mobiliário mais antigas, dos séculos XV, XVI, etc., igualmente
mantidas intactas. Outra, ainda, são as antiguidades erzatz, como por exemplo,
tapetes de estilo oriental, produzidos nos dias de hoje, imitando o desgaste
dos tempos, utilizando estampas inspiradas nas decorações dos tecidos brocados
com efeito “consumido”.
Muitos objetos são por nós amados
profundamente e não querermos que eles morram; outros acabam morrendo com a nossa
permissão. Radicalismos à parte, devemos manter um foco ético em todas as
nossas atitudes e atividades. Viver no estilo primitivo pode nos levar ao
desânimo. Viver no consumismo desenfreado, nos levará ao narcisismo e solidão. A
resposta está na fluidez, buscando pela nossa liberdade e individualidade,
dentro de uma nova moral, filha da “modernidade líquida”.(5)
A questão é que amamos nos cercar de objetos
mas não usamos nossa racionalidade para verificarmos se os necessitamos, se são
úteis, se os queremos para sempre. Neste contexto, observamos um comportamento
paranóico. Inicialmente desejamos, depois rejeitamos. Compramos para depois
descartar.
Se os objetos, supostamente, falassem,
provavelmente, nos diriam ne me quitte
pas.(6)
Créditos:
Autora: Suzana Mara Sacchi Padovano
Data: 26/05/2015
Fotos:
pinterest.com, themetapicture.com,
sarahwilson.com.au,everydayhealth.com,
vogue.com, architecturaldigest.com, casa.abril.com.br/casa-claudia,
m.flicker.com, defharo.com, dribbble.com,
flickr.com/photos/evanleavittphotography/, Photographer Bobby Neel Adams.
(2) Branding, ou brand management, é uma atividade multidisciplinar que trata
da construção e do fortalecimento de marcas ou de seu gerenciamento. Branding envolve, essencialmente,
disciplinas como marketing, planejamento, comunicação e design.
(3) Vezzoli, Carlo, Manzini, Ezio. Design for Environmental Sustainaility. Londres: Springer, 2008.
(4) Carlo Molino armchair – Zanotta Edition, 1995
(6) não me abandone
(7) Ne me quittes pas (não me deixe) - "o afeto que se encerra" (frase do hino nacional brasileiro).