terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O Tempo na Moda

O Tempo na Moda


“O homem domesticou o tempo ao criar o relógio de pulso”
Baudrillard

Com os desfiiles das coleções de inverno em São Paulo e no Rio temos um assunto em maior evidência para se comentar – a Moda. Existem muito cronistas de Moda mas poucos críticos e pensadores sobre ela. Baudrillard em seu livro “Sistema dos Objetos” cita alguma coisa sobre um ponto de vista da semiótica, assim como Lipovetsky em “O Império do Efêmero” que se debruça sob seus aspectos sócio-culturais.

Nestas semanas de moda, acompanhando os desfiles, senti pouco interesse estético. Praticamente todas as coleções não apresentaram nada de realmente novo. O que vem existindo é um pastiche, uma suplementação, uma recorrência de estilos passados que na maioria das vezes dá lugar ao caos. É o “going back to go to the future” (voltar ao passado para se chegar ao futuro). E o que é engraçado ou triste é o fato dos comentaristas na TV não apresentarem nenhum discurso interessante. Eles apenas descrevem o que já estamos vendo – que a saia é mini, que tem babados, que tem recortes ou brilhos enfim pouca cultura ou conceitos veiculados. Claro que existem trabalhos de estilistas muito válidos, mas poucos...

Mas não é sobre os desfiles e as últimas coleções o que quero escrever. Como a moda é o espelho da sociedade e estudá-la e tentar compreendê-la irá contribuir para a compreensão de nós mesmos, pensei em abordar um assunto que acho bastante interessante - o tempo. Como ele é sentido por nós na sua irreversibilidade, desde nosso nascimento até a nossa morte e como ele é representado e apreendido na moda nos últimos tempos.

Sim, porque falar sobre o tempo é algo muito complexo e extenso que pode ter um viés científico ou filosófico, mas não pretendo fazê-lo desse jeito. Quero escrever sobre os relógios de pulso que, notadamente, nas últimas coleções européias vem tomando grande destaque dentre os acessórios femininos.


Até uma década atrás aproximadamente era prerrogativa masculina o uso de relógios grandes. Entretanto com o passar do tempo e o crescente poder das mulheres nos vários ramos profissionais, este item passou a possuir não somente sua função denotativa objetiva mas suas funções conotativas como signos estatutários e ostentatórios adquiriram relevância qualificando seu usuário de determinada posição na pirâmide social ou cultural.


Assim a grife do relógio torna-se tão ou mais importante do que saber que horas são, uma vez que o saber das horas pode ser conhecido de inúmeras outras formas como no celular, no carro, em pontos públicos etc..
Existe uma concorrência acirrada entre as grifes tradicionais das grandes joalherias tradicionais como por exemplo Rolex, Boucheron, Movado, Cartier, Patek Philippe e a das grifes de moda como Coach, Dolce e Gabbana, Gucci, Hermès, Fendi, Dior, Versace entre outros.


Anderson Cooper
Relógio Fendi

Em 2005 a Fendi lança tendência com um super relógio 4X4 cm e no editorial da Vogue americana do mês de de novembro de 2005 uma super modelo posa com um super relógio; algo super inusitado! Mas ainda é lançamento. Poucas usam ou ousam.

Reetrocedendo oum pouco no tempo, em 2004 começa a tendência dos super anéis, os chamados anéis de coquetel, do tamanho do anular, feitos com citrino, diferentes típos de quartzo e diamantes. 

Anéis de cocktail
Em 2008/9 os acessórios ficam cada vez maiores; brincos, pulseiras, colares tornam-se gigantescos, brilhantes, pesados, massudos. Na minha opinião pouco ergonômicos porque possuem pontas agudas que podem perfurar a pele, as roupas, embaraçar os cabelos. São muito pesados porque são feitos de gemas verdadeiras e não plastificados.

Super colar
Quem irá usá-los? Sem falar que são esteticamente bastante grosseiros. Essa tendência já chegou até o Brasil em algumas lojas de bijoux sofisticadas mas apresentam os mesmos resultados desanimadores.

Na corrente do gigantismo estão os chamados relógios poderosos ou como chamam os americanos “power watches”. Surgiram para reforçar o poder as mulheres profissionais, se é que as verdadeiras precisam deste recurso…

Passendo por aí vi inúmeros pulsos de brasileiras adornados por relógios douradíssimos, exageradamente grandes, com corrente metálica, estilo Rolex masculino, todos praticamente iguais à primeira vista. Com grifes indefiníveis. Num primeiro olhar, conotando prestígio, aristocracia e “ócio”. Sem dúvida objetos cuja  ênfase é dada à aparência e ao “poder”.

Rolex de ouro e brilhantes

Entretanto percebe-se aí uma grande contradição de uso.  Estas consumidoras buscando uma identidade ou personalização através do uso de uma grife (de difícil visualização), do simulacro do ouro (dourado) e do poder (tamanho gigante), acabam por despersonalizar-se e seu objeto de desejo acaba por perder-se na extensa malha dos objetos de menor taxa de originalidade, dos objetos erzats ou objetos simulacros, na massificação dos gostos, na generalização e nivelação dos atos e opiniões.

A moda é uma grande impostora, criadora de ilusões. Ela tem uma rapidez tanto de produção como de consumo próprias. O consumidor está sempre ávido por novidades e ambos se auto alimentam criando o objeto supérfluo, com sua obsolescência programada. Neste ciclo o usuário então sente-se fora de moda, inadequado e com medo da rejeição, pronto para um novo "novo" que já está sendo novamente lançado…

Desta vez o novo é a volta ao velho, ao passado, ao retrô, ao “vintage”. Novos editoriais de moda em 2009 nos mostram relógios pequenos ou médios, bem femininos, com correias finas e delicadas trabalhadas seja em couro, douradas ou em ouro…

A moda dá voltas

Relógio tamanho médio

Relógio estilo retrô ou "vintage" da vovó
Assim cria-se uma congestão de produtos inútes onde o “mais consumo” ainda é considerado “bem estar” mas que nada tem a ver com responsabiilidade ambiental e sustentabilidade. Milhares de grifes de relógios continuam a perpetrar diferentes estilos e modelos cada ano com pequenas alterações em tamanhos criando assim novas “necessidades” alienadas da questão planetária.

Atualmente comenta-se que as pessas estão desistindo de usar relógios um função das novas tecnologias - o uso constante dos Smartphones, Pads e outros. Mas há quem ainda o considere importante elemento de estilo e status. Pessoalmente acho relógios de pulso mais práticos do que ficar abrindo o celular, além do prazer estético de cada moldelo.

Como disse Baudrillard, “o homem já conseguiu domesticar o tempo pela criação do relógio de pulso”. Pergunto eu, conseguirá ele “domesticar” seus critérios éticos, tecnológicos e culturais?
É o que se espera urgentemente agora.


Suzana M. Sacchi Padovano
Créditos:

Foto Mr A. Cooper /Hillary Walsh
Demais fotos: Revistas Vogue America 2004/2005/2008
Elle America 2008
Fevereiro 6, 2009


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